terça-feira, 15 de abril de 2008

A gastronomia na França

Roma, privilegiada entre todas as cidades, teve duas civilizações, ambas brilhantes: sua civilização guerreira e sua civilização cristã. Depois do luxo de seus generais e imperadores, teve o de seus cardeais e papas. Por meio do comércio, a Itália recuperava as riquezas que outrora conquistara por meio das armas. Assim como tivera seus gastrônomos pagãos – Lúculo, Hortênsio, Apício, Marco Antônio, Polião -, também teve seus gastrônomos cristãos – Leonardo da Vinci, Tintoretto, Ticiano, Paolo Veronese -, o que fez com que logo deixasse de ser suficientemente grande para conter essa nova civilização, que transbordou para a França.
A França estava muito atrasada, culinariamente falando, à exceção dos vinhos, que, sem terem atingido o grau de perfeição dos nossos dias, eram superiores aos vinhos da velha Roma e da nova Itália.
Felizmente, porém, em meio a essa dispersão dos povos, em meio a essa inundação de bárbaros, os mosteiros haviam permanecido como locais de refugio para as ciências, artes e tradições da cozinha, de pagã que era, fizera-se cristã, sofrendo sua divisão em gorda e magra.
Esse luxo da mesa que encontramos nos quadros de Veronese, particularmente no das Bodas de Cana, chegou à França com Catarina de Médicis, e foi sempre aumentando sob os reinos de Francisco II, Carlos IX e Henrique III.
As toalhas de mesa, já usadas na época de Augusto, tinham desaparecido, não se estendendo sobre nossas mesas sua superfície alva senão por volta do século XII, e ainda exclusivamente nas casas dos príncipes e dos reis.
Os guardanapos só entraram em uso quarenta anos depois sob o reinado seguinte. Os celtas enxugavam os dedos em feixes de feno que lhes serviam de assento. Os espartanos colocavam ao lado de cada comensal um pedaço de miolo de pão destinado ao mesmo uso. Antes dos primeiros guardanapos de linho, usavam-se tecidos de lã que não eram nem novos, nem lavados de véspera.
A colher e o garfo foram pouco a pouco banidos da França até o século XVI, e seu uso só se tornou corrente no século passado.
As facas haviam precedido em muito tempo os garfos, devido à necessidade de despedaçar as carnes que não se conseguia rasgar com os dedos.
Quanto às especiarias, que hoje formam o condimento principal de todos os molhos, começou a se tornar um pouco mais comum na França depois que Cristóvão Colombo descobriu a América e Vasco da Gama a rota do Cabo.
Num país praticamente cercado pelo mar, como a França, o sal foi logo introduzido, e, desde a antiguidade, a condimentação da carne e dos legumes.
A pimenta do reino, ao contrário, só se tornou conhecida depois de cento e cinqüenta ou duzentos anos. O senhor Pierre Poivre, nativo de Lyon, transportou-a da Île de France para a Conchinchina. Antes dessa conquista, era vendida a peso de ouro.
Foi principalmente sob Henrique III que as elegantes delicadezas das mesas florentinas e romanas desabrocharam na França: a toalha de mesa era plissada e frisada como uma tarrafa desde Francisco I. Já sob a terceira dinastia o luxo da prataria superara todos os limites.
No começo do século XVI, sob Luis XII e Francisco I, jantava-se às dez da manhã; às quatro ceava-se; o resto do dia era ocupado por saraus e passeios. No século XVII, jantava-se ao meio dia, ceava-se às sete horas.
Pagens, e às vezes a dona da casa e as filhas, apresentavam aos convidados, bacias de prata que serviam para lavar as mãos; isto feito, tomava-se lugar à mesa e, ao dela sair, lavavam-se novamente as mãos numa sala vizinha. Se o anfitrião fizesse questão de homenagear um conviva em especial, passava-lhe sua própria taça cheia.
Nesse ínterim, o café apareceu na França. Ao observar que as cabras do Iêmen, que comiam bagas de uma planta oriunda daquela região, eram mais espertas, vivas e alegres que as outras, um sacerdote mulçumano torrou as bagas, moeu e delas fez uma infusão, descobrindo o café tal como o tomamos.
Por volta do século XVIII, um sujeito chamado Boulanger estabeleceu em Paris, na Rue des Poulies, o primeiro restaurante. Lia-se a seguinte divisa em sua porta: “Venites omnes, qui stomacho laboratis,et ego restaurabo vos”, isto é, “Venham todos que trabalham com o estômago, e o restaurarei.”
Foi um grande progresso a instalação dos restaurantes em Paris. Antes que fossem criados, os forasteiros eram obrigados a recorrer à cozinha dos albergues, em geral, ruim. Existiam decerto alguns hotéis com mesa para hóspedes, mas com poucas exceções, não ofereciam senão o estrito necessário. Podia-se, com efeito, recorrer aos traiteurs; mas estes só entregavam peças inteiras; e quem quisesse se regalar com um amigo era obrigado a comprar um carneiro, um peru ou um naco de boi.
Finalmente, surgiu um homem de talento que, julgando oportuna uma nova criação, compreendeu que, se um freguês havia se apresentado para comer uma asa de galinha, outro não podia deixar de se apresentar para comer a coxa. A variedade dos pratos, a estabilidade dos preços e o cuidado dedicado ao serviço levaram a voga àqueles que exigiam essas três qualidades em primeiro lugar.
Há mais de três séculos que a França tem na gastronomia uma grande representante de sua cultura. Aqui foram criadas receitas e iguarias da culinária ocidental - do foie gras às trufas - e surgiram as linhas mestras da cozinha ocidental.
A culinária francesa surge junto ao mar ao longo da costa atlântica e revela nas regiões do noroeste um painel de extraordinária riqueza. Encontramos ostras espetaculares, mexilhões, mariscos, lagostins, os populares xereletes, sardinha ou a cavala, robalos, sem falar das saborosas preparações usando peixes dos rios do Vale do Loire.
De Nantes às terras de Orleans, deleitamo-nos com uma culinária particular dedicada aos peixes de rio. Uma riqueza notável encontrada nas terras da Normandia são os cordeiros pré-salés da Bretanha. A manteiga encontra um terreno propício nas regiões do noroeste e do norte do país, embora neste partilhe o lugar nas cozinhas com a banha de porco.
As regiões do norte repartem suas preferências entre a carne bovina e a de porco, embora a criatividade possa ir muito mais além, como acontece com o potjevfleisch de Flandres, preparado com vitela, coelho e toucinho.
A popularidade dos produtos das hortaliças (couve, repolho, couve-flor), acompanhada da paixão pela batata ou pela beterraba, também caracterizam a gastronomia do norte. A região do interior tem muito a dizer. Cozinhas por vezes simples e rústicas, como a da Auvergne e outras vezes barrocas como as de Bourbonnais.
Quando se fala de cozinha francesa, Lyon deve ser sublinhada. Para muitos é a capital gastronômica do país. De qualquer modo, desfruta de uma variedade incomparável: salsichas, salsichões, dobradinha, o frango assado com cardo, as almôndegas de carpas, o fígado de vitela, o frango com trufas. Atrelada ao aroma do alho, às ervas aromáticas, há ainda as gloriosas carnes dos patos cevados das Landas, na costa atlântica.
A cozinha do sul da França se caracteriza por sua singularidade e marcada pela proximidade ibérica. Poderia ser dito, inclusive, que há, em determinadas situações, uma maior influência espanhola que francesa. E por fim a cozinha do país basco francês, possivelmente a mais próxima da Ibéria.
E os queijos? Dizem que os franceses têm um queijo diferente para cada dia do ano. A lista é interminável, embora se mova, preferencialmente, pelos derivados do leite de vaca e, em segundo plano, pelo de cabra. Começando pelos mais populares do mundo, como o camembert, o brie e o gruyere.
O vinho é o grande destaque da gastronomia francesa, o produto que mais bem representa a sua imagem em todo o mundo. Basta recordar os grandes vinhos da região de Bordeaux ou da Borgonha e os grandes espumantes de Champagne.
A França possui os maiores hipermercados da Europa, que vêm substituindo os mercados locais e as lojas de esquina. Estes permanecem nacionalistas nos produtos que oferecem: um balcão pode chegar a ter 100 ou mais tipos de queijos e frios. A variedade de verduras, legumes, ervas e frutas frescas lembra o papel que esses itens ocupam na culinária do país. As feiras oferecem o melhor da produção local.
No entanto, sob a pressão dos tempos modernos, os hábitos têm se modificado. Os franceses costumavam comer bem todos os dias. Atualmente, têm pressa e a maioria das refeições durante a semana consiste em um prato rápido de carne ou massa em casa, ou um lanche na cidade – daí o aumento do fast food que desafia a tradição nacional. Mas as refeições permanecem uma parte importante do laser, não só pela comida e pelo vinho em si, mas também pelo prazer das reuniões sem pressa e uma boa conversa à mesa, com a família ou amigos. Eles reservam sua gastronomia para uma ou duas ocasiões especiais por semana, talvez uma reunião de amigos para jantar ou um grande almoço de domingo em família; ainda um importante ritual.
A refeição francesa tradicional tem pelo menos três pratos. A entrada inclui sopas, pratos a base de ovos, saladas ou frios. Nos pratos principais, há peixe ou carne, em geral com um molho, acompanhados por batatas, arroz ou massas e legumes. O queijo vem antes da sobremesa, que pode ser sorvete, torta ou um doce. O menu a preço fixo é a opção mais barata.
O café da manhã dos franceses oferece uma grande variedade de pães, que se come com manteiga e geléia. Entre eles estão os croissants -pães folhados e amanteigados em forma de meia lua-, a tradicional baguete –o clássico pão fino e comprido que cortado ao meio e com manteiga e geléia torna-se uma tartine-, o pain au chocolat –de forma quadrada e recheado com um tablete de chocolate derretido-, e o brioche –um pãozinho aerado com fermento e enriquecido com ovos. São sempre acompanhados de chá, café e, cada vez mais, servem-se de cereais. O café au lait –café expresso com leite morno-, é o tipo de café mais comum na mesa dos franceses.

3 comentários:

Anônimo disse...

Passei o endereço do blog para muita gente.
Bjs.Ronaldo Caldeira

Olga Maria Chaves Cardoso disse...

Mais uma vez obrigada, Ronaldo. Com um apoio destes vou fazer sucesso, vou ficar chic de doer.
Beijo, Olguinha

Anônimo disse...

fiquei faminta com tanta variedade na historia da culinaria... valeu pelas informaçoes! um bj.. Martinha