terça-feira, 8 de abril de 2008

A cozinha dos sentidos

O paladar não nasce pronto: ele se desenvolve. É interessante estar aberto à possibilidade de se expor, aos poucos, a novos sabores – mesmo (e principalmente) àqueles que provocam estranheza num primeiro contato. A cada vez, ele parecerá menos estranho, até que se descubra a emoção de apreciar o alimento em questão.
Além da estimulação do paladar, a elaboração de qualquer prato deve levar em consideração a textura do alimento. As sensações provocadas pelo pastoso e pelo crocante são física e emocionalmente diferentes. A comida molinha remete a aconchego, a colo: o risoto carrega a capacidade de conforto que tem o mingau ou a canja que as mães preparam tradicionalmente para os filhos e que fica impressa em nossa memória pela vida afora. Comidas duras são mais agressivas, mais ativas. Talvez não seja por acaso, por exemplo, que adolescentes – desafiadores por definição – devorem compulsivamente salgadinhos crocantes, barulhentos.
Por fim, é impossível falar sobre comida e memória afetiva sem lembrar a audição e o olfato: o ruído da faca ao cortar o pão, o chiado do azeite na panela e o cheiro de um prato ou de um tempero têm a capacidade de abrir o paladar e torná-lo mais ou menos receptivo àquilo que está por vir; tem, sobretudo, a capacidade de evocar imediatamente lembranças e sensações. O efeito dos sons e dos aromas na preparação culinária é conhecido pela intuição e pela experiência de quem come: não é preciso avançar pelo terreno da psicologia para prová-lo.
Fonte: Alex Atala .